STJ decide que cláusula de não-concorrência sem prazo é anulável
Publicado em 31-08-2025
A cláusula de não concorrência, um instrumento contratual comum no direito civil e empresarial, visa proteger interesses como know-how, clientela e segredos comerciais. Contudo, para ser válida, ela deve respeitar certos limites, sendo o limite temporal um requisito essencial. Uma cláusula que estabelece uma restrição à concorrência de forma ilimitada, ou seja, sem um prazo determinado, é considerada inválida.
Neste caso, o que está em jogo é o fato de que a cláusula de não-concorrência é muito usada em contratos de trabalho, dissoluções societárias e operações de compra e venda de empresas. Na prática, ela impede que ex-sócios ou ex-colaboradores utilizem conhecimentos, clientela ou segredos comerciais para competir diretamente contra a parte contratante. No entanto, quando a restrição se estende de forma ilimitada no tempo, o efeito pode ser devastador, de modo que o profissional ou empresário fica impedido de atuar no mercado indefinidamente.
Desta forma, a recente decisão da 3ª Turma do STJ esclareceu uma importante distinção: a invalidade de uma cláusula de não concorrência sem limitação de tempo gera sua anulabilidade, e não sua nulidade absoluta. Essa decisão foi extremamente importante, uma vez que ao considerar a cláusula sem prazo como anulável, o STJ protege a liberdade profissional e a livre concorrência, valores assegurados pela Constituição. O tribunal entendeu que não cabe ao juiz declarar a nulidade de ofício, de modo que a parte interessada deve provocar o Judiciário para pedir a anulação. Isso garante equilíbrio entre autonomia contratual e proteção de direitos fundamentais.
No plano civil, a decisão reforça os limites da autonomia privada. O Código Civil, em seu artigo 421, assegura a liberdade de contratar, mas exige respeito à função social do contrato. Ou seja, contratos não podem gerar efeitos que afrontem a livre iniciativa ou a dignidade do trabalho humano. Sem limite temporal, a cláusula perde sua legitimidade e passa a configurar abuso de direito. A decisão assegura o equilíbrio entre proteção e liberdade, uma vez que especialistas apontam que, para serem válidas, as cláusulas de não-concorrência precisam observar quatro requisitos essenciais, sendo eles o prazo razoável (em regra, de meses a poucos anos), a delimitação geográfica, a definição clara das atividades proibidas e, muitas vezes, a compensação financeira pelo período de restrição. Sem esses elementos, a restrição pode ser considerada excessiva e perder sua eficácia judicial.
O STJ entendeu que, embora a livre concorrência e a livre iniciativa sejam de interesse social, a vedação a uma cláusula de não concorrência perpétua protege primordialmente a ordem privada. Portanto, para que uma cláusula sem prazo seja invalidada, é necessário que a parte interessada solicite expressamente sua anulação em juízo. A ausência de delimitação temporal, por si só, pode levar à nulidade ou anulabilidade da cláusula, pois representa uma restrição desproporcional ao direito de livre exercício profissional. Ao tratar a questão como um vício de anulabilidade, o ordenamento jurídico prestigia a vontade das partes. Se os contratantes, mesmo diante de uma cláusula potencialmente defeituosa, não se sentem prejudicados a ponto de pedir sua anulação, o contrato pode, em tese, continuar a produzir efeitos até que seja judicialmente contestado.
A decisão do STJ reforça que a intervenção judicial para invalidar a cláusula deve ser provocada pela parte interessada. Isso impede que juízes anulem de ofício um acordo que, apesar da falha formal, pode refletir um equilíbrio de interesses aceito pelos envolvidos no momento da contratação. Uma redação inadequada, como a ausência de prazo, pode expor a empresa à anulação parcial ou total da cláusula, reduzindo a proteção buscada. A exigência de limites para a cláusula de não concorrência (temporal, geográfico, material e pecuniário) busca harmonizar a liberdade de contratar com princípios constitucionais como a livre iniciativa, a livre concorrência e o valor social do trabalho. A restrição à concorrência é vista como excepcional no ambiente jurídico nacional.
Essa decisão deixa um recado para o mercado, a mensagem do Judiciário é clara, proteger negócios é legítimo, mas não às custas da liberdade profissional. Empresas e advogados devem redobrar a atenção na redação de contratos que envolvam a referida clausula, equilibrando os interesses envolvidos. Afinal, em um cenário em que a concorrência e a inovação são motores da economia, impor restrições eternas não apenas viola direitos fundamentais, como também prejudica o dinamismo do mercado. Sob esta ótica, as empresas podem (e devem) proteger seus ativos, mas não às custas da liberdade de quem trabalha. Contratos bem redigidos garantem segurança; contratos abusivos, por outro lado, estão com os dias contados.
Conte com a equipe do RRR para revisar e auxiliar na elaboração de seus contratos e evitar problemas com a cláusula de não-concorrência e sua anulabilidade.
Nilson Reis Júnior
Sócio do RRR Advogados
Ester Moura Benedetti
Advogada do RRR Advogados