Fim à controvérsia: STF valida multas administrativas em múltiplos do salário-mínimo
Publicado em 31-10-2025
O referido recurso que motivou a decisão de Repercussão Geral (ARE 1.409.059/SP) tratava especificamente de multas administrativas aplicadas pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP).
As multas foram aplicadas com base na Lei 5.724/1971, que previa a fixação da penalidade em valor equivalente a um a três salários-mínimos para estabelecimentos que realizam atividades farmacêuticas sem o profissional habilitado. O Tribunal de origem (TRF da 3ª Região) havia anulado as multas por considerar a vinculação inconstitucional, mas o STF reformou o acórdão para assentar a constitucionalidade da cobrança.
Diante disso, o plenário fixou a seguinte tese para observância geral: “A fixação de multa administrativa em múltiplos do salário-mínimo não viola o disposto no art. 7º, inc. IV, da Constituição Federal.”
O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, sustentou que o artigo 7º, IV, da Constituição Federal, veda apenas a vinculação do salário-mínimo como indexador econômico, e não o seu uso como referência numérica. Mendes também alertou que declarar inconstitucional tal prática criaria um vácuo legislativo e impactaria a atuação de inúmeros órgãos fiscalizadores, que hoje utilizam o salário-mínimo como referência para sanções.
O ministro Dias Toffoli abriu divergência, argumentando que a prática mantém vínculo indevido com o salário-mínimo, gerando reajustes automáticos e distorções econômicas. Para ele, a fixação de multas deveria se dar em valores nominais, desvinculados do mínimo legal. Os ministros Cármen Lúcia, Luiz Fux e André Mendonça acompanharam a divergência.
Para o voto divergente, a jurisprudência do STF apenas admite a vinculação do salário-mínimo para garantir direitos sociais e necessidades básicas do trabalhador (caráter alimentar), o que não se aplica a penalidades administrativas. O uso do salário-mínimo como parâmetro para multas administrativas foi classificado como um “desvio de finalidade da função social do instituto” e gera “ônus desproporcional”, pois o reajuste automático destoa dos índices oficiais de inflação.
Contudo, prevaleceu o entendimento do ministro relator, Gilmar Mendes, acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques e Edson Fachin. Para a maioria, o uso do salário-mínimo como base para multas não configura a vedada indexação econômica, mas sim uma mera referência numérica. A vedação constitucional restringe-se ao uso do salário-mínimo como fator de indexação, ou seja, como base para o reajuste automático ou correção monetária periódica de outros valores.
O voto condutor destacou que, diferentemente das verbas remuneratórias, a aplicação de multas não possui o potencial de gerar o efeito de indexação econômica. Isso se deve à natureza da sanção, uma vez que a multa é uma prestação eventual e episódica, vinculada à violação de obrigações específicas, e não se relaciona diretamente com o poder de compra dos trabalhadores. Essa característica intrínseca impede que a multa sirva de base para o reajuste de outros valores.
O relator também ressaltou os efeitos sistêmicos que uma declaração de inconstitucionalidade geraria, como a criação de um amplo vácuo normativo e obstáculos significativos para a atuação fiscalizatória de órgãos regulatórios, como os Conselhos de Farmácia.
O STF já possuía jurisprudência que validava o salário-mínimo como parâmetro (referência numérica) em outras situações, desde que sem efeito indexador, como em cálculo de pensões alimentícias; fixação de pisos salariais (como para médicos e dentistas); estabelecimento do capital social mínimo para constituição de Eireli (100 salários mínimos) e penalidades previstas no Código Penal (prestação pecuniária e dia-multa) e no Código de Processo Civil (multas por descumprimento de decisões e litigância de má-fé).
Com a decisão, órgãos de fiscalização profissional, agências reguladoras e entidades públicas que já aplicam multas com base em múltiplos do salário-mínimo ganham segurança jurídica para manter o modelo. Contudo, é importante destacar que o uso do salário-mínimo não pode gerar efeito automático de atualização, o valor da multa deve ser considerado fixo, com base no salário vigente no momento da infração.
Para as empresas, a decisão traz previsibilidade, evitando a anulação de autos de infração baseados em leis que utilizam o salário-mínimo como parâmetro. Para os advogados e gestores públicos, reforça-se a necessidade de avaliar se a norma sancionadora tem natureza de mera referência numérica — e não de indexador econômico — para evitar contestações futuras.
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Sérgio Souza de Resende
Sócio do RRR Advogados
Ester Moura Benedetti
Advogada do RRR Advogados